domingo, 7 de maio de 2006

Faíscas que me atiçam! [Sparks]


À boa maneira americana, o currículo, seja do mais acabrunhado dos contabilistas ou do mais brilhante dos físicos, inclui sempre uma secção final, normalmente constituída de um só parágrafo – a que convencionei chamar de secção tampax, permite-te continuares a realizar as tuas actividades normais sem perderes nada! – onde se expõe a vida particular do autor através da ostentação dos seus gostos.
Por definição os americanos são um livro aberto no acto de elaboração de um currículo. Para além dos indispensáveis dados biográficos, das habilitações literárias, da experiência profissional, do grau de destreza na leitura, na oralidade e na escrita de línguas estrangeiras e de outras informações que possam ser relevantes para a prossecução da tarefa a que se propõem realizar, informam o contratante ou o público que, por exemplo, cavalgam e/ou nadam, fazem uma hora diária de step, que adoram Bruce Springsteen e Bryan Adams – se em dueto, melhor (e eu emigrava para Marte!) –, que lêem Danielle Steel ou Jackie Collins, que o seu prato preferido é o hambúrguer, que não vivem sem a Bud, o Jack Daniels e as águas Evian, os discos da Anastacia, o ketchup Heinz, as dengosas soap operas de 727 episódios, a TVI local e por aí em diante.
Este proflúvio todo não surge por acaso. O grande instigador desta descarga verborreica é Nicholas Sparks, escrevinhador norte-americano de romances de xaroposa qualidade, que normalmente obra – é a palavra correcta, é literatura, porra! – uma vez por ano, sempre com títulos sugestivos, requebrados e indutores da regurgitação, como por exemplo: Laços que perduram – os do baptista bastos e do Nicolau Santos –, O sorriso das estrelas – e a flatulência da lua –, Uma promessa para toda a vida – tanso! –, A alquimia do amor – invertida, começa em ouro e acaba sempre em chumbo –, O diário da nossa paixão – durante o primeiro mês, nhec, nhec, nhec [molas do colchão] –, Corações em silêncio – foda-se, morri! – ou Quem ama acredita – …que um dia será encornado.
Na parte final da sua ternurenta
biografia enquanto escriba, e sem mais delongas, junge estes dois singelos parágrafos:

«De ascendência alemã, checa, inglesa e irlandesa, ele mede 1,78 m, pesa 82 Kg. Ele é um atleta compulsivo correndo diariamente, levanta pesos de forma regular e pratica Tae Kwon Do.
Ele assiste a missas com regularidade e lê cerca de 125 libros por ano. Ele contribui para um manancial de acções de caridade locais e nacionais e é o maior impulsionador do Programa de Escrita Criativa na Universidade de Notre Dame, onde concede bolsas, internatos e uma possibilidade de parceria anual.
»

[Nota: tradução livre e destaques meus]

Não dá vontade [Dulcolax, patrocina este texto] de sair já de casa, ir à estação de serviço mais próxima e despender uma pequena fortuna na aquisição da obra completa?

Nota final: se na realidade quiser mesmo desperdiçar o seu precioso tempo – tal como acabou de o fazer ao ler este texto – jamais poderá perder a lista de recomendações literárias deste inefável – e pressuroso – autor. Comparar a listagem dos clássicos, onde não falta um – decerto, recorreu à enciclopédia –, com os contemporâneos: água e azeite – olha, este último fica-lhe tão bem!

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