quinta-feira, 27 de julho de 2006

Pynchon a 992

Thomas PynchonNão há fome que não dê em fartura, nem mal que nunca acabe!
Thomas Pynchon, 69 anos, considerado pela crítica como um dos melhores escritores norte-americanos da actualidade, anunciou através da Internet a publicação de mais um romance que se começará a vender em 5 de Dezembro próximo – via
este texto no blogue da Casa Fernando Pessoa, Mundo Pessoa. Pynchon já não publicava um livro desde 1997, ano em que foi publicado o seu romance «Mason & Dixon».
O
romance chamar-se-á «Against the Day» cuja trama decorre entre a Exposição Universal de Chicago de 1893 e o período posterior à I Guerra Mundial. Na sua versão original em língua inglesa o romance contará com 992 páginas – será Pynchon em busca do tempo perdido?
Na realidade não se trata de uma novidade. O esquivo escritor norte-americano – que não faz aparições públicas, não se deixa fotografar e tão-pouco concede entrevistas – é caracterizado pelas suas longas obras de ficção, carregadas de personagens – muitas vezes ultrapassando a centena. Vejam-se os exemplos de quatro das suas seis* obras até hoje publicadas, nas suas edições norte-americanas: V. (1963), 560 páginas; Gravity's Rainbow (1973), 768 páginas – considerada a obra-prima do autor, venceu o National Book Award de 1974 e esteve próxima de vencer o Pulitzer Prize for Fiction de 1974, havendo sido unanimemente escolhida pelo júri, porém vetada pelo Conselho de Administração dos prémios Pulitzer, considerando-a como uma obra indecifrável, obscena e excessivamente adornada** – em 1974 o prémio Pulitzer não foi atribuído à categoria de Ficção; Vineland (1990), 385 páginas; Mason & Dixon (1997), 772 páginas.

De Thomas Pynchon apenas li o romance surreal “V.” – um dos dois publicados em Portugal. Para ser sincero, nunca consegui classificar o livro quer em termos de satisfação na sua leitura, quer em termos estéticos e literários. Lembro-me, isso sim, aquando da sua leitura, de passar por momentos de autêntica e imparável gargalhada e por outros em que tive de reler duas ou três vezes a mesma página para tentar perceber o que, supostamente, não fora ali colocado para que se entenda de uma forma canónica da narrativa.

Para os que não o leram, deixo aqui um excerto de uma das partes mais desconcertantes do livro. Pynchon descreve profusamente uma empresa prestadora de serviços nova-iorquina, cuja principal actividade é o extermínio dos crocodilos que deambulam pela intrincada rede de esgotos da Grande Maçã. Estamos no momento em que Profane e os seus colegas de trabalho perseguem um dócil caimão no subsolo de Fairing’s Parrish (Paróquia de Fairing), cujo nome se deve a um padre católico que, profetizando que as ratazanas passariam, num futuro próximo, a dominar a cidade e o país, decidiu antecipar-se e empenhou-se na conversão dos roedores à Igreja Católica. A certa altura (pág. 121) Pynchon diz que o Padre «foi dar bênção eterna e praticar alguns exorcismos sobre as águas que fluíam pelos esgotos entre Lexington e East River, e entre a 86th e a 70th Streets. Foi esta a zona que se converteu em Fairing’s Parrish. Essas bênçãos garantiram um considerável abastecimento de água benta; também eliminaram o problema dos baptismos individuais quando tivesse por fim convertido todas as ratazanas da paróquia.»***

Referência bibliográfica completa
Thomas Pynchon, V., Editorial Notícias, 1.ª edição, Fevereiro de 2000, 477 pp. [Tradução de Salvato Telles de Menezes] (V., 1963)


Notas:
*As restantes obras são: The Crying of Lot 49 (1966) de 183 páginas – foi publicada em Portugal em 1987 pela editora Fragmentos, contém 135 páginas; Slow Learner (1984) de 193 páginas, trata-se de uma colectânea de seis contos publicados entre 1959 e 1964 pelo autor em várias revistas.

**Ver, a propósito desta obra de Thomas Pynchon,
a página que lhe é dedicada na versão em língua inglesa da Wikipedia, onde se descrevem mais episódios curiosos ocorridos com Gravity's Rainbow, por exemplo a famosa cena de Trainspotting, de Danny Boyle, onde Ewan McGregor mergulha na sanita. Outro exemplo curioso é a tentativa infrutífera de Laurie Anderson em obter a autorização do escritor para compor uma ópera baseada na obra, que de facto veio a obter de Pynchon mas com uma condição – bem falaciosa –, a ópera só poderia ser composta por um único instrumento, o banjo – para bom entendedor...

***De seguida descreve-se ainda mais o processo – “é de supor que teve êxito” (pág. 122), conclusão a que se chegou após a leitura de uma nota redigida pelo padre Fairing em 23 de Novembro de 1934. Esta fabulosa nota, de um surrealismo e de uma hilaridade sublimes, está transcrita no blogue filial deste, de nome
Data.

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