quinta-feira, 19 de julho de 2007

Álcool

Reparei hoje. O Vítor Neves Fernandes deu, de forma graciosa e abnegada, o seu inestimável contributo para o progresso e o aprofundamento dos estudos protésicos em Portugal ao debruçar-se sobre esse fenómeno em emergência que se deu a conhecer ao mundo por blogosfera.
Partindo do axioma de que um blogue é como “a extensão do pénis”, o Vítor realizou um estudo empírico sobre a população alvo, baseando-se numa amostra perfeitamente aleatória – e que sobre essa aleatoriedade não subsista qualquer sombra de dúvida – de 10 indivíduos , maiores de idade e de ambos os sexos, que impudicamente exibissem à data, pelo menos, uma “extensão peniana”, vulgo blogue. O objectivo do estudo era o de avaliar o impacto do álcool, esse incompreendido instrumento de expiação, sobre a capacidade e a perícia da produção seminal na blogosfera.
De forma a aperfeiçoar o estudo, o Vítor contou com a preciosa ajuda de dois ejaculadores canónicos, não protésicos. O objectivo era o da introdução no modelo de uma variável de controlo, cujos dados foram recolhidos em entrevistas realizadas por si para a revista literária
The Paris Review – o que significa que angariou mais uns cobres para o financiamento do seu trabalho de investigação – a Philip Larkin e a Vladimir Nabokov.
Hoje em dia, como é do domínio de qualquer eminente membro da plebe blogonauta, o lugar que alberga um sem-fim de extensões penianas é um espaço privilegiado para o exercício da reciprocidade, assaz estimuladora da reprodução livre, mas também da paz social e da harmonia global. Nesse sentido tentei dar o meu apport – ah, que toque de classe! – empenhando-me seriamente nessa tarefa hercúlea iniciada pelo Vítor. Usei os meus contactos e o meu solícito agente mediador, um americano do Tennessee chamado Jack Daniels – o qual, vindo a talho de foice, pertence à mais fina aristocracia, é um Bourbon. Porém, todos os meus esforços produziram um e um só resultado. Todos os meus contactos, de casta certificada, Lowry, Bukowski, Hemingway e Dylan Thomas, foram unânimes na resposta, indicaram-me um… português: Mário de Sá-Carneiro (já não lhe bastava o aborrecimento de Camarate…)
Vítor, aqui fica o meu modesto contributo:

Guilhotinas, pelouros e castelos
Resvalam longemente em procissão;
Volteiam-me crepúsculos amarelos,
Mordidos, doentios de roxidão.

Batem asas d'auréola aos meus ouvidos,
Grifam-me sons de cor e de perfumes,
Ferem-me os olhos turbilhões de gumes,
Descem-me a alma, sangram-me os sentidos.

Respiro-me no ar que ao longe vem,
Da luz que me ilumina participo;
Quero reunir-me, e todo me dissipo –
Luto, estrebucho… Em vão! Silvo pra além…

Corro em volta de mim sem me encontrar…
Tudo oscila e se abate como espuma…
Um disco de ouro surge a voltear…
Fecho os meus olhos com pavor da bruma…

Que droga foi a que me inoculei?
Ópio d'inferno em vez de paraíso?...
Que sortilégio a mim próprio lancei?
Como é que em dor genial eu me eterizo?

Nem ópio nem morfina. O que me ardeu,
Foi álcool mais raro e penetrante:
É só de mim que ando delirante –
Manhã tão forte que me anoiteceu.


Mário de Sá-Carneiro, Álcool (Paris 1913 – Maio 4.)

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