segunda-feira, 13 de outubro de 2008

As Bruxas Enviuvaram

O provocante, arrebatador e célebre trio formado por Alexandra, Jane e Sukie – meninas agora enviuvadas por um defeito da sua malignidade –, regressou ao sortilégio histérico pela pena (por vezes misógina, daí o histerismo aqui explícito, e por lá subliminar) de John Updike, que há vinte e quatro anos publicou As Bruxas de Eastwick (The Witches of Eastwick, 1984) – obra editada em Portugal em 1987 pela Gradiva, que, de forma incompreensível e sobremaneira irritante, se encontra esgotada há anos no nosso mercadozinho editorial.

A obra será lançada na próxima semana nos Estados Unidos, e se provas faltassem quanto à comunicabilidade intercultural e às versatilidade e desinsularidade literárias de Updike, atente-se na sua vasta obra, que vai desde a crónica da conturbada vida familiar americana – recordemo-nos, por exemplo, da tetralogia do Coelho e do romance provocador e, à época, fracturante Casais Trocados (Couples, 1968) – aos meandros da política e dos meios artístico e literário, até aos grandes temas que preocupam ou preocuparam a população americana, como o terrorismo, o fundamentalismo assassino das seitas religiosas davidianas, e até, diga-se para que honra lhe seja feita, da condição feminina, chegando ao puro domínio da fábula e da fantasia onde As Bruxas de Eastwick e o extraordinário e inesquecível romance Brasil (Brazil, 1994) são o seu expoente máximo.

Quem me visita e tem paciência para ler os meus textos, já o sabe: sou um admirador da ficção norte-americana contemporânea e, em particular, da de John Updike. De todas as suas obras por onde passaram os meus olhos de leitor atento – e, acreditem, trata-se já de uma parte substancial do seu catálogo romanesco que foi publicado em português –, apenas Procurai a Minha Face (Seek My Face, 2002) e O Terrorista (The Terrorist, 2006) abalaram as já firmes expectativas de um updikiano convicto. Ambas, e refiro-o com alguma frustração (felizmente curável), ficaram abaixo do nível de perfeição e de rigor estético que o autor da Pensilvânia nos habituou, e foi apenas isso, não se devendo a qualquer irrupção varicosa de má qualidade literária.
Por publicar, em Portugal, está a totalidade da sua poesia, dos seus contos e, mais importante e simultaneamente frustrante, todos os seus ensaios sobre arte e literatura, e principalmente o seu aclamado livro de memórias, publicado em 1989, Self-Consciousness – situação que, no meu caso, poderia ser de fácil resolução, não fora a minha teimosia de não ler em inglês nas horas de lazer pelo seu forte odor a trabalho e pelos sinais mentais de alerta de vivificação da desejadamente adormecida rotina quotidiana.

Sem mais delongas, aqui fica o início traduzido – pois claro – do romance que Updike publicou aos 76 anos:

«O conventículo reconstituído

Aqueles que entre nós estão a par da sua história sórdida e escandalosa não ficarão surpreendidos se ouvirem, mediante os rumores provenientes dos mais diversos locais onde as feiticeiras assentaram arraiais depois de escaparem da nossa venerável vila de Eastwick, Rhode Island, que os maridos que as três infames mulheres, através das suas artes negras, forjaram para elas próprias, não se revelaram duradouros. Métodos ruins fabricam produtos ruinosos. Satanás, claro, falsifica a Criação, mas através de deuses inferiores.
»
John Updike, The Widows of Eastwick (2008) [tradução: AMC]

Sem comentários: