quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Cinema: Os Melhores de 2009, e as necessárias irritações


De acordo com o compromisso aqui estabelecido no passado dia 18, e não querendo defraudar os milhares (talvez, centenas) de leitores que aqui se ligam diariamente, hoje é o dia da ostentação dos dez filmes que estrearam durante o ano de 2009 em salas de cinema portuguesas e que mais contribuíram para manter ou aumentar a minha doentia cinefilia.
Não considerando os três filmes que estrearão amanhã – estes serão incluídos na minha grelha apreciativa de 2010, dada a impossibilidade (séria) de os qualificar sem os ter visto –, foram exibidos 275 filmes inéditos em salas de cinema portuguesas durante o ano de 2009. Desse total tive o privilégio de poder assistir a 75 (cerca de 27,3% dos filmes estreados, e mais 6 que o total do ano passado).
Etapas seguidas para a conquista da lista dos “10+” de 2009:
1.ª etapa) Seria certamente menos longa e difícil, não fora a minha preguiça, se a cada deslocação ao cinema correspondesse uma entrada em folha de cálculo do(s) filme(s) no dia em que os vi; criaria, assim, uma relação de actualização permanente (tal como faço com os livros que li e que foram editados durante o ano em causa). Assim, num marasmo de títulos, cuja maioria nada me dizia, tive de identificar os que vi na realidade. E se de alguns é difícil esquecer-me, pela qualidade extraordinária ou, ao invés, pelo carácter horripilante que deixa marcas profundas, quase insanáveis, na psique de um cinéfilo, há outros cujo grau de originalidade é tão baixo que apenas deixam uma sensação difusa de os ter visto – e para o rigor da coisa, exige-se uma investigação às sinopses, ao elenco e restante equipa técnica. Resultado final: vi 75 em 275 filmes possíveis.
2.ª etapa) Entre os 75 filmes limitei-me a assinalar os que me tinham impressionado quer positiva, quer negativamente, deixando de fora aqueles que considerei como “indiferentes”, isto é, os que não me deixaram gravada uma sensação nem de encanto, nem de irritação (ou fúria cinéfila). Resultado: considerei 47 dos 75 filmes como “não indiferentes”, para o melhor (23 filmes) ou para o pior (24 filmes).
3.ª etapa) Para estatística pessoal, dividi os 47 filmes atrás referidos segundo o critério “origem da produção”, havendo criado duas subclasses: (1) “filmes produzidos nos Estados Unidos” – 35 filmes; (2) “filmes produzidos fora dos Estados Unidos” – 12 filmes.
4.ª etapa) Em simultâneo com a etapa anterior, verifiquei que entre aqueles que considerei como “bons” ou “muitos bons” (23, número apurado na 2.ª etapa), 16 foram produzidos nos EUA e 7 fora dos EUA – deixando de lado a origem da produção dos 28 filmes que considerei como “indiferentes” (que nunca apurei), 45,7% (16/35) dos filmes americanos seleccionados mereceram nota positiva, face a 58,3% (7/12) dos filmes não-americanos.
5.ª etapa) Os 23 filmes escolhidos como os melhores, passaram por duas triagens sucessivas. Na 1.ª triagem passaram 17 dos 23 filmes com hipóteses de integrar a listagem final de os “10+”, 12 americanos e 5 não-americanos. Os dez filmes seleccionados na 2.ª triagem deram origem a uma listagem de repartição desigual (em termos absolutos), atendendo ao critério geográfico da produção: 8 filmes americanos e 2 filmes não-americanos.
Sem mais delongas e verborreia estatística, eis:
Os Dez Melhores Filmes de 2009 (por ordem de preferência):
  1. Gran Torino, de Clint Eastwood (Gran Torino, 2008);
  2. Sacanas Sem Lei, de Quentin Tarantino (Inglourious Basterds, 2009);
  3. Os Limites do Controlo, de Jim Jarmusch (The Limits of Control, 2009);
  4. Abraços Desfeitos, de Pedro Almodóvar (Los abrazos Rotos, 2009);
  5. O Estranho Caso de Benjamin Button, de David Fincher (The Curious Case of Benjamin Button, 2008);
  6. Estado de Guerra, de Kathryn Bigelow (The Hurt Locker, 2008);
  7. Deixa-me Entrar, de Tomas Alfredson (Låt den rätte komma in, 2008);
  8. Duplo Amor, de James Gray (Two Lovers, 2008);
  9. O Casamento de Rachel, de Jonathan Demme (Rachel Getting Married, 2008);
  10. Histórias de Caçadeira, de Jeff Nichols (Shotgun Stories, 2007). 
Menções Honrosas
Gostaria de destacar os 7 filmes que foram rejeitados no apertado crivo da 2.ª triagem da 5.ª etapa, que poderiam, numa alteração (bem provável) de humor, integrar a listagem acima referida dos “10+” de 2009, mexendo sobretudo com as últimas posições. Ei-los, organizados por ordem alfabética do título em português:
  • Andando, de Hirokazu Koreeda (Aruitemo aruitemo, 2008);
  • Frost/Nixon, de Ron Howard (2008);
  • Milk, de Gus Van Sant (2008);
  • A Nova Vida do Senhor O’ Horten, de Bent Hamer (O’ Horten, 2007);
  • Sinédoque, Nova Iorque, de Charlie Kaufman (Synecdoche, New York; 2008);
  • Tetro, de Francis Ford Coppola (2009);
  • Vingança, de Götz Spielmann (Revanche, 2008).

Muitos filmes ficaram por ver (segundo a estatística acima referida, cerca de 200), a maioria deles por falta de tempo e do dom da ubiquidade, e muitos deles por não terem chegado às salas de cinema da Invicta. Entre os não vistos, alguns poderiam haver influenciado a lista final, de acordo com a crítica e com a análise de pessoas cuja opinião reputo de cinefilamente válida. Por isso destaco, por ordem alfabética do título em português, 10 filmes que não vi e que possivelmente poderiam alterar a lista final dos “10+”:
  • Afterschool – Depois das Aulas, de Antonio Santos (Afterschool, 2008);
  • Almoço de 15 de Agosto, de Gianni Di Gregorio (Pranzo di Ferragosto, 2008);
  • Desgraça, de Steve Jacobs (Disgrace, 2008);
  • Distrito 9, de Neill Blomkamp (District 9, 2009);
  • Histórias de Cabaret, de Abel Ferrara (Go Go Tales , 2007);
  • Júlia – Uma Vida de Sombras, de Erick Zonca (Julia, 2008);
  • A Mulher sem Cabeça, de Lucrecia Martel (La mujer sin cabeza, 2008);
  • Ne change rien, de Pedro Costa (2009);
  • As Praias de Agnès, de Agnès Varda (Les plages d’Agnès, 2008);
  • Tempos de Verão, de Olivier Assayas (L’heure d’été, 2008).
Por último, os últimos. Os muito maus entre os piores. Seleccionei um conjunto de entre os 24 filmes que considerei manifestamente medíocres (19 americanos / 5 não-americanos). Um conjunto de filmes que é conjuntamente uma verdadeira dor de alma pela constatada pobreza de espírito dos ufanos produtores (o primeiro da lista, ou seja, o pior, até deu em 8 Óscares, 7 BAFTAs e 4 Globos de Ouro da HFPA), um atentado ao nervo óptico (ao par) e uma incontrolável irritação pelo tempo e dinheiro despendidos a pedir um punching bag para descarga. Ei-los, organizados do pior ao menos mau:
  1. Quem Quer Ser Bilionário?, de Danny Boyle (Slumdog Millionaire, 2008);
  2. Bobby Z, de John Herzfeld (The Death and Life of Bobby Z, 2007);
  3. A Verdade e o Medo, de Peter Hyams (Beyond a Reasonable Doubt, 2009);
  4. Sem Medo de Morrer, de Vadim Perelman (The Life Before Her Eyes, 2007);
  5. Ágora, de Alejandro Amenábar (Agora, 2009);
  6. Os Irmãos Bloom, de Rian Johnson (The Brothers Bloom, 2009);
  7. Os Informadores, de Gregor Jordan (The Informers, 2008);
  8. S1nais do Futuro, de Alex Proyas (Knowing, 2009);
  9. RocknRolla – A Quadrilha, de Guy Ritchie (RocknRolla, 2008);
  10. Elegia, de Isabel Coixet (Elegy, 2008).
Não poderia terminar sem o recentemente instituído prémio “Limão Soderbergh”, bem ao estilo dos Razzies da Golden Raspberry Award Foundation, especialmente criado, neste caso, para premiar o realizador norte-americano, natural da Geórgia, o emproado armado em intelectual e camaleão cientista da coisa cinematográfica, Steven Soderbergh, que num só ano (o de 2009, claro) conseguiu introduzir 3 dos seus filmes entre os piores exibidos em Portugal:
  • O Argentino (Che: Part One, 2008);
  • Guerrilha (Che: Part Two, 2008);
  • O Delator! (The Informant!, 2009).
Fossem mais os filmes estreados (com esta qualidade) de realizadores como Rod Lurie (A Verdade…), Paul Schrader (Adam…), Ed Harris (Appaloosa), Larry Charles (Bruno), Stephen Frears (Chèri), Richard Eyre (O Outro…) ou Shane Meadows (Isto é…), e o limão iria temperar aqui os seus milionários subprodutos.
Resta-me terminar, suspirando:
«Esta vida no vale nada. Sem limites, não há controlo.»