segunda-feira, 22 de março de 2010

Do país em que foi mesmo a última

E por fim, reedita-se em Portugal (pelas mãos da Asa, o que outrora fora da Presença) o único romance de Paul Auster que, caso dotado da sua singularidade lusa, não se encontrava acessível em português europeu aos novos leitores, a não ser através do acervo literário das bibliotecas ou, com alguma sorte, do stock dos alfarrabistas.
Trata-se da obra No País da Últimas Coisas (In the Country of Last Things, 1987), o 2.º romance do autor de Newark, publicado originalmente no mesmo ano em que se forjava – reunião num só volume de três histórias – a sua obra mais emblemática, A Trilogia de Nova Iorque (The New York Trilogy, 1987) e que, ainda hoje, serve de diapasão para a sua restante obra e retém uma horda de fanáticos espalhados por todo o mundo, especialmente na Europa não anglófona.
Eis a distopia de uma das mais marcantes personagens de Auster, Anna Blume – que, de quando em vez, surge nas suas deambulações auto-referenciais e metaficcionais noutros romances mais recentes –, em busca do irmão misteriosamente desaparecido numa região sem nome, inóspita, devastada pelos inescapáveis vícios da natureza humana.
No País das Últimas Coisas lê-se de um só fôlego, austero – e austeriano, dois qualificativos que o acaso tornou sinónimos –, intimidante e comovedor. Em jeito de confissão, este foi um dos poucos livros em que profanei, pela exasperação da lentidão editorial nacional, o meu princípio de leitura de obras literárias de ficção “apenas em português”, porquanto o castelhano e o inglês são parte obrigatória das minhas leituras profissionais diárias, e prazer e trabalho não se coadunam com o meu sentimento de paz de espírito alcançado com a leitura de um bom livro.
Nota (à laia de conselho estafado): para os exegetas da literatura comparada e que pela primeira vez terão o privilégio de acesso à obra, suponho ser desnecessário cotejar esta com as de Houellebecq (A Possibilidade de uma Ilha), Atwood (Órix e Crex – O Último Homem) e, mais recentemente, de Cormac McCarthy (A Estrada); em primeiro lugar, pelo desfasamento temporal – quase vinte anos – entre esta e aquelas, e depois, segundo o mesmo critério, pela catalogação – com a já experimentada intenção de a menorizar – desta na “moda dos romances distópicos”, sem referir, por exemplo, as antecessoras de Huxley, Orwell ou Bradbury, e sem que haja, todavia, a real necessidade de alargar o espectro às de intervenção alienígena, tendo por epítome Wells.