sexta-feira, 26 de março de 2010

Novo McEwan

Tal como aconteceu com a extraordinária novela Na Praia de Chesil (On Chesil Beach, 2007), a Gradiva (inexplicavelmente, sem ligação à sua página oficial na Internet), editora portuguesa responsável pela edição da obra do eminente escritor inglês, publica em simultâneo com as edições britânica e norte-americana a mais recente obra de ficção de Ian McEwan: Solar. Felicitações à editora.
Preparo-me, por isso, para largar tudo que vem passando debaixo dos meus olhos em matéria de literatura recreativa, assim que dispuser do exemplar de um dos escritores contemporâneos pertencentes ao meu Olimpo pessoal.
 
Excerto (1.º parágrafo):

«Ele pertencia a essa classe de homens — de aparência vagamente desagradável, muitas vezes calvos, baixos, gordos, inteligentes — que são inexplicavelmente atraentes para certas mulheres belas. Ou ele julgava que o era, e pensá-lo parecia fazer com que assim fosse. E ajudava o facto de certas mulheres estarem convencidas de que ele era um génio a precisar que o socorressem. Mas o Michael Beard dessa época era um homem mentalmente diminuído, anedónico, monotemático, devastado. O seu quinto casamento estava a desintegrar-se, e ele devia ter sabido como comportar-se, pensar a longo prazo, arcar com as culpas. Os casamentos, os seus casamentos, não se assemelhariam a marés, com um a recuar para o largo imediatamente antes de o outro vir dar à praia? Mas este era diferente. Ele não sabia como comportar-se, pensar a longo prazo fazia-o sofrer e, por uma vez, não lhe parecia haver culpas com que arcar. Era a mulher dele que estava a ter um caso, e a tê-lo de uma forma flagrante, punitiva, seguramente sem remorsos. Ele descobria no seu íntimo, por entre uma série de emoções, momentos intensos de vergonha e nostalgia. Patrice andava com um empreiteiro, o empreiteiro que trabalhava para eles, que lhes tinha rebocado a casa, equipado a cozinha, posto azulejos novos na casa de banho, o mesmo sujeito corpulento que, certa vez, durante a pausa do chá, mostrara a Beard uma fotografia da sua casa Tudor de imitação, renovada e tudorizada por suas próprias mãos, com um barco atrelado a um reboque por baixo de um candeeiro de estilo vitoriano no caminho de acesso cimentado e espaço suficiente para pôr de pé uma cabine telefónica vermelha desafectada. Beard ficou surpreendido ao descobrir como era complicado ser o marido enganado. A desventura não era simples. Que ninguém dissesse que nessa fase avançada da vida ele era imune a novas experiências.»
Ian McEwan, Solar, pp. 11-12
[Lisboa: Gradiva, 1.ª edição, Março de 2010, 338 pp.; tradução de Ana Falcão Bastos; obra original: Solar, 2010]