sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Consenso

Altruísmo, palavra tão morta para os que exercem o poder, como negociar simboliza uma acção impraticável e cedência uma impossibilidade constatada. Soberba no seu mais elevado grau de pureza que se conquistou com o exercício reiterado da teimosia, surda e manhosa, sobre as ruínas de um mundo em decomposição, enfraquecido por lutas intestinas na frente adversária. Obstinação, egoísmo que num jogo dialéctico com os patronos do consenso, uma forma espúria e perigosa de altruísmo, se sintetiza em ironia – vazia, sem consequências, como mera constatação do fracasso.
«(…)
De que forma a catástrofe,
traz perturbações ao velho método
de aplicar uma distância ao mundo?
Por cima da catástrofe, de um ponto de vista aéreo,
o homem é capaz de ironizar,
porém, já debaixo da catástrofe,
debaixo dos seus escombros,
a ironia será a última a aparecer
depois da acção instintiva de defesa,
do desespero que ainda emite ordens e tentativas,
e do último grito que assinala o fracasso.
Só depois deste grito a ironia regressa,
dizendo, quando muito:
morro, é certo, mas mesmo assim
guardo uma elegante distância em relação
à minha morte.
(…)»
Gonçalo M. Tavares, Uma Viagem à Índia, pp. 37-38 (Canto I: 24-26). [Alfragide: Caminho, 1.ª edição, Outubro de 2010, 478 pp.]
Regresse à casa da partida e receba 2.000$00. Consenso: só mais um esforço. Ironia?