sábado, 13 de novembro de 2010

Desisto

Após esta leitura:

«Depois de “Se7en”, David Fincher nunca mais atingiu as mesmas alturas, talvez porque se tenha deixado deslumbrar pelo seu virtuosismo, mais interessado em explorar jogos de imagem e surpresas de peripécias em reviravoltas constantes.»
Breve crítica de Mário Jorge Torres, Público, CineCartaz e Ípsilon.
Desisto de postar aqui o texto que há uma semana vinha a congeminar nos intervalos da minha esgotante e, ultimamente, tumultuosa e angustiante actividade. Não sou crítico de nada, sou apenas, nestes domínios, um cinéfilo. Agarro nesta arte da projecção de ideias na grande tela com a paixão de um amante persistente não só da estética, mas também da técnica que a apurou. Preocupo-me menos com o corolário ético do «interrogar as manobras de poder e tocar nas contradições da modernidade», porque esse nunca foi o objectivo – faz-se a luz sobre um homem só, que aos dezanove anos começou do nada a erigir um império.
Não pretendo fazer a crítica da crítica ou dos críticos, embora esteja convicto de que todos nós, os que laboram nas mais diversas actividades cujo objectivo final é a exposição das nossas formas de pensar, sentir e/ou agir perante o mundo, jamais seremos possuidores do direito divino de proibir o seu escrutínio – negar esse exercício equivale a escrever entradas pueris num diário que se aferrolha ao fim de um dia de exaltações, tristezas, êxitos e frustrações, para mais tarde deitar fora a chave –, what lies beneath
Desisto, mas deixo ficar uma sugestão: o excelente texto escrito pelo Sérgio Lavos a propósito do último trabalho de Fincher, A Rede Social (The Social Network, 2010). O tal que agora terminava, iniciava-se com uma rememoração (regressão), porventura fetal, e partia da técnica para estética: a fabulosa cena inicial num bar de Harvard e a viagem ao som do mestre Reznor, “Hand Covers Bruise”, até à consumação do pecado original na construção do personagem (que é real), e que acompanha os créditos iniciais até à sua entrada na Kirkland House: «Universidade de Harvard Outono 2003» (Fincher pretendia filmá-la num só take com a, segundo dizem, intrincada RED One®, que pediu de empréstimo ao seu amigo Steve [Soderbergh]).
Desisto, mas não resisto em deixar aqui, para memória futura, o começo do que estava escrito (excerto de um texto bastante mais longo – até poupei tempo ao leitor e meio que teimosamente me visita):


Um silêncio invadiu a sala durante os primeiros dez minutos após o último anúncio. A memória, por vezes traiçoeira, porém associativa num movimento perpétuo de sinapses, conduziu-me à infância. A estância – a última antes da reprise – concebida por uma trupe londrina de quatro (por justaposição à de Liverpool que sublima o final), quando ainda o calor líquido do ventre materno me afagava e abafava os sons psicadélicos que se lhe uniram numa perfeição eloquente, de vibração, tremor, oscilação – Respira:

Corre, coelho corre
Cava esse buraco e esquece-te do sol
E quando enfim o trabalho terminar
Não descanses é tempo de voltares a cavar
Por muito que vivas e por mais alto que voes
A menos que sigas com a maré
E te equilibres na maior das ondas
Lanças-te rumo a uma morte prematura.
Pink Floyd, Breathe” (The Dark Side of the Moon, 1973; tradução livre: AMC, 2010)
Retomo ao silêncio embasbacado. Palavras proferidas em torno de uma mesa. Um diálogo frenético em tons pardacentos à mesa de um bar de Harvard. O fim, como revelação para a teia apocalíptica que se seguiria, envolvendo tudo e todos sem dó ou recuos perante a constatação do que se foi estilhaçando pelo caminho. Nove páginas do argumento de Sorkin equilibradas por um jogo de palavras que se entrecruzam sem se tangerem, que se esgotam com o murro no estômago:

«Ouve-me. Tu vais ser rico e ter imenso sucesso. Mas irás passar toda a tua vida a pensar que as raparigas não gostam de ti porque tu és um maníaco dos computadores. E eu só quero que saibas, do fundo do meu coração, que não irá ser esse o verdadeiro motivo. Será porque tu és uma besta.» [Do argumento de Aaron Sorkin, pág. 8; tradução livre: AMC]
[Textus interruptus]
Fincher 8 (obras-primas destacadas):
  • Alien 3 – A Desforra (Alien3, 1992)
  • Se7en – Sete Pecados Mortais (Se7en, 1995)
  • O Jogo (The Game, 1997)
  • Clube de Combate (Fight Club, 1999)
  • Sala de Pânico (Panic Room, 2002)
  • Zodiac (2007)
  • O Estranho Caso de Benjamin Button (The Curious Case of Benjamin Button, 2008)
  • A Rede Social (The Social Network, 2010)